segunda-feira, outubro 27, 2014

Segunda-feira

Nós estamos aqui, os olhos cerrados pelo sol do meio-dia, trigueiros de nariz franzido e pupilas contraídas, estamos aqui ajeitando a mochila sobre os ombros, guardando um suéter que outrora esteve pendurado em uma arara, impessoal, uma individualidade junto com tantas outras peças e tantos outros filmes e tantas outras músicas e livros aos quais vamos nos agarrar. E eu guardo o suéter agora meu e devidamente amassado na mochila, o suéter que eu posso amassar e guardar em meio a livros, papéis e uma infinidade de segundas e quartas-feiras. E estamos levemente presos ao chão, e como se não fôssemos de fato ingênuos, contemplamos o céu como quem fita as próprias mãos, e como se não soubéssemos que somos já tardiamente adultos, olhamos através da janela do transporte, a calçada a passar, tudo em seu lugar e tudo irremediavelmente em seu lugar, e tornamo-nos acostumados às chaves perdidas, às horas claras, às palavras não ditas, aos livros abandonados pela metade, àquela corrosiva simpatia dos jantares, tornamo-nos acostumados a dormir pouco e gozar o tempo perdido, e tornamo-nos acostumados a fechar os olhos e sentir a chuva de um filme que vimos e dormir planejando viver uma hora a mais amanhã, prometendo que amanhã o dia será mais longo e mais belo, que não haverá apatia, que o sol do meio-dia cerrará nossos olhos queimados e nada mais.