sexta-feira, outubro 04, 2013

Quarta-feira e madrugada

Ele, por uma questão de sanidade, jazia sobre o tapete da sala, coberto pelas luzes de outrem, vindas dos apartamentos que ele longamente espiava - e fingia que era luz da lua. Por uma questão de sanidade, ainda vestido e de sapatos. Naquela madrugada tão encravada no meio da semana. Seu relógio sobre a escrivaninha - e ao lado, jaziam também, em choque, livros, cadernos de anotações e papéis deliciosamente despropositados. 

E era evidente que ele não podia dizer palavra.  Não podia levantar os braços. Não tremia. Não estava pálido. Os olhos em uma calmaria gritante fitavam o teto - quase lobotomizados. Respirava, então. O ar vinha de todas as partes, e ele apreciava aquela oxigenação consciente. Se pudesse se mover, começaria a cavar. Cavaria túneis. E por dentro deles moveria-se resoluto. Não hesitaria diante de uma bifurcação - em seu próprio túnel. Construiria labirintos subterrâneos. 

O teto brilhava. E ele, por uma questão de sobrevivência, via-se sem saída, e então - e então era evidente que sufocava, os olhos injetados na beleza de seus labirintos floridos, os lábios entreabertos indiferentes ao ar, as pernas em suas calças pretas estiradas.