Porque todo dia era cinza e verde, e verde e lilás, e laranja e cinza e lilás e castanho, toda manhã era uma tarde sem fim, e com você toda tarde era amanhecer de olhos semi-abertos. E nós queríamos que todo dia fosse inverno, que toda garoa fosse vista da janela, que todo verde fosse nosso, que toda primavera fosse rosa claro e que o lilás de suas pálpebras fechadas pudesse cristalizar toda a inocência que fingimos ter. Não vamos adoecer. Suas pálpebras em lilás translúcido - e a certeza, não vamos adoecer, vamos viver pra sempre, vamos deitar em lençóis frescos e sonhar que toda tarde é cinza e verde, que toda garoa é vista de dentro, que o castanho de seus olhos estará guardado.
Eles sorriam e no dia seguinte seriam os mesmos. E no dia depois disso, seus sonhos seriam novamente repetidos e assim até a exaustão. E o ano que vem é um futuro agora tão possível até a gente perceber que já chegou o natal. E então o ano novo, e ao ar livre de olhos abertos somos os mesmos. O que são dois anos, cinco ou seis. O que é mais um ano? Ainda temos quinze, dezenove, vinte e dois, e aos trinta não teremos mais que pouco mais de vinte. E o que fazemos da vida? Sim, vivemos bem, não, não, tenho emprego, aí tem a carreira acadêmica, entende. Daqui a alguns anos, sim, daqui a alguns anos, não sei, vou traduzir, publicar. É, não sei, tenho que ver, só pesquisa mesmo.
Não estão envelhecidos e cansados, estão? Não, ainda são tão jovens, há muitos anos já que são tão jovens quanto poderiam ser, e ano após ano, que fazer? Afinal, são poucos anos. Sim, tem que correr atrás dos seus sonhos, sabe? Você merece. Estuda, poxa, que bonito, eu admiro isso, mas - e o que você vai fazer?
Suas pálpebras em lilás translúcido - e a certeza, não vamos adoecer, vamos viver pra sempre, vamos deitar em lençóis frescos e sonhar que toda tarde é cinza e verde, que toda garoa é vista de dentro, que o castanho de seus olhos estará guardado.