domingo, outubro 27, 2013

O leitor


One Art (Elizabeth Bishop)

The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something everyday. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

- Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.



Neste espaço que eu até então destinava ao que conseguia escrever, passo a incluir um pouco das infinitas linhas  que gostaria de ter escrito. Não sei se posso dizer se realmente passei, mas abri um precedente. E uma vez que isto se dá, tudo está então imprevisível. E estamos às cegas - como sempre estivemos - mas em um escuro demasiado tangível, familiar em cada canto. E em cada canto deste escuro eu deito na posição de leitor. 
E aqui eu digo, em uma primeira pessoa que já não é um outro, que o leitor é cada um de seus narradores e heróis. Somente dos seus, estejamos atentos. E o leitor torna-se cada um dos eus que toma para si. Torna-se cada dia mais um outro e cada vez menos estranho se apresenta a si mesmo.
E não sabemos mais quanto nos emaranhamos  nesses doces simulacros - parecem de fato doces, e é desta maneira que os vestimos. 

terça-feira, outubro 22, 2013

Primavera

Na eletricidade de sua pele foram-se horas. Foram dias em poucos minutos. Por uma questão de delicadeza, as horas passam. E olho para a neblina fina sobre o asfalto, sobre tudo que hesita e não diz, através da janela, e atrás da janela permaneço. E na neblina doce perdem-se horas. E o ar que respiramos torna-se turvo. E nada mudou - mas tudo já é um outro. Um outro que permanece sobre o asfalto, nem sólido nem líquido, os olhos  negros fitando através da neblina sem cor. Por uma questão de delicadeza, as cores tornam-se um cinza latejante. E a neblina nivela todas as pendências em sua inebriante brancura. E em uma calada anestesia, sinto pesar sua doce ausência.

sexta-feira, outubro 04, 2013

Quarta-feira e madrugada

Ele, por uma questão de sanidade, jazia sobre o tapete da sala, coberto pelas luzes de outrem, vindas dos apartamentos que ele longamente espiava - e fingia que era luz da lua. Por uma questão de sanidade, ainda vestido e de sapatos. Naquela madrugada tão encravada no meio da semana. Seu relógio sobre a escrivaninha - e ao lado, jaziam também, em choque, livros, cadernos de anotações e papéis deliciosamente despropositados. 

E era evidente que ele não podia dizer palavra.  Não podia levantar os braços. Não tremia. Não estava pálido. Os olhos em uma calmaria gritante fitavam o teto - quase lobotomizados. Respirava, então. O ar vinha de todas as partes, e ele apreciava aquela oxigenação consciente. Se pudesse se mover, começaria a cavar. Cavaria túneis. E por dentro deles moveria-se resoluto. Não hesitaria diante de uma bifurcação - em seu próprio túnel. Construiria labirintos subterrâneos. 

O teto brilhava. E ele, por uma questão de sobrevivência, via-se sem saída, e então - e então era evidente que sufocava, os olhos injetados na beleza de seus labirintos floridos, os lábios entreabertos indiferentes ao ar, as pernas em suas calças pretas estiradas.