domingo, agosto 31, 2014

Luz do sol

ela abria os olhos
e era pequena
menor ainda
que os lençóis em que dormia
menor ainda
que a garoa vista de dentro
de dentro via
rosa
lilás
verde, cinza
rosa
cinza
translúcido
via que
estava parada
permanecia imóvel
em movimentos circulares
um
dois
três
quatro, cinco
cinco
permanecia
imóvel
em si mesma
e via apenas
que no ar há sons
que ela mesma só via
no quadro de suas cores
sob suas pálpebras fechadas
pelo sol que parecia queimar
e abria os olhos
ainda menor

quinta-feira, agosto 14, 2014

Almoço em casa

Casualmente, ele deixou o garfo pousar no prato. Casualmente fez-se aquele som tão familiar, que no ambiente corta o silêncio sem interrompê-lo. Levou o guardanapo aos lábios, não que estivessem sujos. Fitou brevemente a janela, a linha de seu olhar acima dos olhos dela. 

Ela, ao enganar-se, quis sorrir. Fitou as mãos dele, sua camisa, as flores do papel de parede já desbotado, bebeu do suco, levou uma garfada à boca e por sua vez, pousou delicadamente os talheres no prato.

Ela baixou os olhos, como que pensativa ou alheia. Ele tornou a olhar na direção da janela, que estava aberta. Quis dizer que seus cabelos tinham um tom de mel quando contra a fraca luz do sol que vinha de fora - uma cor fugaz da luz do meio-dia de outono que o fazia lembrar um livro que lera, ou um filme que assistira já há muito tempo. Ou talvez de nada disso. Quis dizer que gostaria de fotografá-la, se soubesse como fazê-lo. Quis dizer que através daquela janela aberta, da luz que chegava em seus olhos filtrada por seus fios castanhos - através daquela luz, quis dizer que ouvia música. Quis dizer que ouvia um som distante de um disco de vinil, conservado por saudosistas românticos e apagados como ele. Quis dizer que estava linda. Quis levantar da mesa, quis ir lá fora, quis que no assoalho houvesse um tapete, quis que junto à parede houvesse um vinil que, como ele, permanecesse girando sob uma agulha fina e gentil. Quis vê-la nua como na primeira vez - e ela certamente iria sorrir, ela certamente baixaria o rosto e sorriria por baixo de seus cachos castanhos em desalinho. Quis dizer que gostava de qualquer paisagem no outono. Quis enterrar seus dedos nos seus cabelos penteados.

Após examinar longamente o padrão de sua sua camisa, ela subiu olhar aos olhos negros que agora lhe fitavam. Ele sorriu, e em seu sorriso havia uma amargura que ela desejou não reconhecer.