Ele ligou o carro naquele domingo de manhã. Deu a partida. Ajeitei a franjinha curta, limpei os óculos. O quebra sol estava manchado pelo tempo. O couro creme e suas bordas demasiado amareladas. O cheiro gasto do estofamento. O cheiro do café servido em copos de isopor. Sorri ao movimento dos seus fios castanho claros quase nada grisalhos - e o cheiro mal disfarçado e permanente de cigarro. Não estava cansado. Tinha uma vida pela frente, ajeitava os cabelos curtos e colocava então os óculos escuros de aviador. Usava camisa de verão. De passeio. De domingo de manhã. De tudo e coisa nenhuma. Vestia o frescor daquela esperança dissimulada. Da fuga. Do simulacro de fuga e liberdade. Eu não estava mais em sua visão periférica. Estava ao redor. Estava ao lado. Olhava para mim, sorria. Olhava com convicção para meus shorts jeans falsamente desgastados. O sol lançava uma faixa quente sobre as minhas pernas. Sobre minhas mãos cruzadas. Sobre os tornozelos apoiados no painel. Subia sua mão direita com a naturalidade de quem sempre pôde fazê-lo. Suas mãos que me excediam por completo em pelo menos três décadas. O sorriso retangular apertava os olhos por trás das lentes escuras. E tudo ficava doce de repente, sua magreza contraída num riso convencional. E o céu azul se tornava alheio. O vento que entrava pela janela era demasiado real. Era fresco. Uivava através dos vidros. E o café, como era de se esperar, já estava frio.